Há algumas coisas que me irritam. No meu post “Educação e Cidadania andam de mãos dadas” falo de algumas delas no primeiro parágrafo. Por exemplo, malta que entra nas rotundas sem ligar o pisca-pisca (sinalizar manobras? para quê? para quem?); gentinha que deita lixo para o chão (e quantas não o fazem acompanhadas de criancinhas pela mão!); selvagens que ouvem musica aos gritos sem se preocuparem com o próximo; gente que acha que a Democracia caiu do céu sem que tenha havido gerações a lutar por ela e sem que nós todos sem excepção, todos os dias, não tenhamos também de lutar por ela (embora, felizmente, já de uma maneira diferente); gentinha que come pipocas no cinema ruidosamente; gentinha que acha que os políticos são todos “iguais”, corruptos, mas depois não vota, não participa em nada, não faz a ponta de um corno para dar a sua participação cívica seja em que área for, não paga impostos; etc.
Claro que estes exemplos têm a sua escala de importância que não interessa ordenar agora. E até porque a irritação varia não só com a substância do assunto, mas também com o ânimo da aqui autora. Mas encontro nestes exemplos um traço comum: irrita-me a falta de respeito com o próximo. Dentro destes exemplos que considero uma falta de respeito estão aqueles em que me chamam estúpida. Mas calma, não é um “estúpida” qualquer! Fazendo alguma introspecção e dissecando a coisa, percebo que o “estúpida” que me ofende é aquele em que o autor, sendo tão estúpido, nem percebe que me está a chamar estúpida. Passo a explicar. (Podia dar outros exemplos, mas aqui só me interessa falar do que tem a ver com este blogue.)
Eu gosto de ler. E, para além de gostar de ler, fui e sou obrigada a ler. Na faculdade li que nem uma moira. E hoje em dia que remédio tenho eu senão ler algumas coisas para me manter actualizada. Por mim passava o dia a ler romances como o Equador, ou Os Maias, mas é impossível. A malta é mesmo obrigada a ler, seja pela profissão, seja pelo folheto do supermercado (há que economizar), seja pelos documentos das Finanças que é necessário preencher para tratar do IMI...
Vem isto a propósito das coisas que me irritam. Uma bela tarde, estava eu numa reunião de Conselho Pedagógico interminável (diga-se interminável, porque as/os senhoras/os professoras/es estavam em conversas cruzadas sobre as revistas que tinham na mão e nunca mais se calavam o que fez perder imenso tempo à presidente do Conselho Executivo que teve de dar murros na mesa para mandá-las/os calar e fazer-se ouvir), quando foram distribuídas umas fotocópias de um Despacho Normativo vindo do Ministério da Educação e que era suposto o Conselho Pedagógico conhecer.
Eu, que sou curiosa no geral e nesta matéria em particular (fala-se em educação dos meus petizes e sou toda orelhas), esperei ansiosamente que as folhas me chegassem às mãos. Qual não é o meu espanto quando, em vez da célebre página do Diário da Republica ou de uma folha qualquer oficial com os dísticos do Ministério, entregaram-me umas 10 páginas em documento word, cheias de --> setas, cores, letras de vários tamanhos e feitios, dezenas de pontos de interrogação???? e de exclamação!!!!, dezenas de reticências..., dezenas de sublinhados, onde nem um boneco faltava! Pá, digam-me, o que é que acham que eu pensei? Engano nas folhas, só pode ser! Toca de ir ler...o que com o barulho das conversas cruzadas era difícil, mas assim fiz. Bom, uns momentos para respirar fundo e, afinal o que é que era aquilo? Perguntam bem. Segundo o autor do “documento”, aquilo era o Despacho Normativo do Ministério, embora estivesse lá em baixo o nome do elemento do Conselho Executivo que redigiu as folhas. Que paciência. A criatura tinha redigido um “resumo” do Despacho, imagino eu para ser “explicativo”, assim como se nós fossemos todos muiiiito burros e ele a mente privilegiada que nos ia trazer a luz. Com muita calma ainda esperei algum tempo para perceber se iam distribuir o original, o verdadeiro despacho, que era suposto ficarmos a conhecer e, assim não perderia tempo a decifrar tanto adjectivo e tanta exclamação...mas nada. Era só aquilo e tal facto não parecia preocupar ninguém.
Conclusão: “li” as 10 folhas A4 completamente escritas (de um Despacho que vim depois a conhecer com apenas uns 8 artigos) e não percebi rigorosamente nada. Aplaudi em silêncio a preguiça dos meus neurónios que teimavam em fazer greve, como se se recusassem, por uma questão de principio, a fazer o esforço inútil de tentar decifrar os gatafunhos e dissessem para a dona: - pá, não nos faças trabalhar para entender o impossível...
Devo ainda contar que quando chegou a minha vez de comentar o “documento” (fui das ultimas a falar) já tinham passado duas horas de “discussão” sobre os propósitos do dito despacho (leia-se as folhas redigidas pelo tal prof. da escola), e a minha boca só se abriu para dizer: - não posso comentar, pois não conheço o teor do despacho.
Fez-se um silêncio providencial que a aqui autora agradeceu pois já lhe doía a cabeça, interrompido pela voz do autor do “documento” com uma indignação muito mal disfarçada: “- o despacho diz o que está aí escrito”. Olhei para a coisa e só respondi: “- sim, acredito que para o senhor assim é, mas eu precisava de ver o original.”
Para quem não me conhece é normal que pensem que fui muito pouco empenhada por ter desperdiçado a oportunidade de explicar umas coisas ao senhor. Mas a experiência diz-me que não vale a pena estar a falar para portas fechadas. E há dias em que a paciência não é muita. Se o homem não percebe estas coisas sozinho, não ia ser eu a perder o meu tempo a explicar o evidente.
Como podia ser eu, ali apenas uma representante dos pais, que por sua vez representam os alunos, a elucidar aquela cabeça, cuja profissão é suposto consistir em ensinar, e que ainda por cima é muito mais velho do que eu (logo com mais experiência, diria eu, deixem-me rir), que em nenhum local do planeta Terra, podemos estar a trabalhar sobre um documento que tem um autor (o legislador, neste caso) e alterar...até me faltam palavras...alterar TUDO? Eu lá tinha capacidade pedagógica para lidar com aquilo?
Ainda hoje guardo as folhas para as usar numa ocasião se me der jeito. Por exemplo, para demonstrar o mérito interpretativo da alma em causa. Sim, não nos percamos em pormenores que aquilo de o homem nem saber justificar um texto era só uma falha “tecnológica”. O homem desconhecia era completamente as regras da honestidade e do bom senso quando lidamos com as palavras do outro.
A criatura ainda não deve ter percebido que ninguém lhe pedia para ser interprete do Direito, senão o homem não estava numa escola do 1.º ciclo. Que nenhum Prof. Doutor da área se atreve a “escrever por palavras suas” a própria letra do legislador. Mas o que estava em causa nem era a questão da opinião nesta matéria ter de ser habilitada, como já perceberam. Aos especialistas o que é da sua competência, ou “cada galo no seu poleiro”, como preferirem. O que estava mesmo em causa eram, apenas, as regras simples da honestidade e do bom senso quando lidamos com “as palavras” do outro, como já disse, e que qualquer ser bem formado intui (até) por uma questão de respeito.
Hoje lembrei-me deste episódio a propósito das várias leituras que tentei fazer, na net, de textos escritos por professores. Salta logo à vista uma evidência preocupante: a criatura não estava sozinha no estilo. Tinha atrás de si um exercito de colegas que eu na altura desconhecia! A quantidade de letras com vários tamanhos e fontes diferentes dentro dos mesmos parágrafos, a confusão das cores supostamente, imagino eu, para destacar o que consideram mais importante mas que nos ofuscam ainda mais do que os máximos do carro ligados – é impossível. Eu tento mas não consigo. Quanto ao conteúdo não sei, não me posso pronunciar, porque não consigo ler. Espero que tenham cuidado com a palavra dos outros, pois a autoridade que tanto reclamam também começa por aí. Por sermos honestos, numa palavra.
Nota: Saí da sala a tempo ainda de ouvir a professora que mais barulho tinha feito durante toda a reunião (abanava com uma revista para as amigas e falava de um tal Castelo Branco que me pareceu não ser o Camilo) dizer: “- os estupores lá fora fazem um chavascal que já me dói a cabeça!”. Era o barulho, fantástico, das crianças a brincarem no recreio...
debate nacional sobre educação