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Sábado, 29 de Julho de 2006

Maria de Lurdes Rodrigues trouxe ao Ministério da Educação uma extraordinária lufada de ar fresco

Educação, professores e avaliação

Todos os governos têm bons e maus ministros. O actual Governo não é excepção: alguns ministros são excelentes, outros desastrosos.

 
A mais agradável surpresa entre os actuais governantes é provavelmente a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. A actuação da ministra da Educação tem sido, desde o primeiro dia, extremamente certeira.


Começou pela decisão, muito impopular mas não menos importante, de mandar encerrar escolas com um número insuficiente de alunos. Não é sério discutir-se constantemente os problemas de uma evolução demográfica muito preocupante, com muito baixa natalidade e o envelhecimento dramático da população, e esquecer que essa realidade implica necessariamente reduzir a oferta de serviços públicos dirigidos às crianças.

 
Mais recentemente a ministra começou a atacar o problema do insucesso escolar. Todos reconhecem que este é um dos problemas mais graves com que o país se defronta.

 
Apesar de Portugal ser um dos países do mundo que mais gasta em Educação, os resultados são muitíssimo insatisfatórios. Estamos num dos últimos lugares na Europa no que respeita ao nível educacional da nossa população. Arriscamo-nos mesmo a ser ultrapassados pela Turquia, país bem mais pobre e atrasado do que Portugal. É impossível pensar-se numa economia desenvolvida e moderna – com ambições de acompanhar o desenvolvimento baseado no conhecimento e de pôr em prática um ambicioso plano tecnológico – e manter um nível de insucesso escolar comparável ao dos países do Terceiro Mundo. Os nossos jovens deixam a escola com muito poucos conhecimentos; pior ainda, saem com o sentimento de que a exigência não interessa, que os exames são uma aberração, que a escola não os ajuda na sua vida e na sua realização profissional.

 
A grande controvérsia que hoje impera no mundo da educação resulta de a ministra ter afirmado que os professores também são responsáveis pelo insucesso escolar. E, no entanto, nada é mais natural: os professores têm uma missão bem definida, muitíssimo importante e insubstituível – educar.

 
Se a educação não está bem, se o insucesso escolar se tornou num problema gravíssimo, os professores não podem em caso algum dizer que não têm nada a ver com o assunto, que a responsabilidade não é sua, que outros são os culpados.

 
São eles quem dia a dia recebe as crianças, com a extraordinária missão de lhes transmitir conhecimentos, de os formar, de os preparar para a vida profissional e para o papel que cada um deve desempenhar na sociedade. O seu trabalho é dos mais nobres e dos mais importantes em qualquer sociedade. Por isso mesmo, tem de ser concretizado com grande seriedade e profissionalismo, respondendo a níveis de exigência muito altos.

 
Há evidentemente muitos bons professores em Portugal; há também muitos outros que encaram o seu trabalho como uma rotina que tem de ser cumprida, sem qualquer preocupação com os resultados.

 

Daí que, de facto, a primeira prioridade na melhoria da acção educativa tenha de ser uma séria avaliação dos professores, com grande capacidade de discriminação entre bons e maus, com recompensas tangíveis para os bons e sanções pesadas para os maus.


Depois de muitos anos em que todos os professores são classificados como muito bons e em que todos sem excepção sobem automaticamente ao topo da carreira, é imperativo que se reintroduza alguma seriedade na avaliação e que se restabeleça a meritocracia como critério único de progresso na carreira.
-------

Toda a administração pública portuguesa é avessa à avaliação. Muitos professores e, sobretudo, os seus sindicatos consideram a avaliação insultuosa, com o argumento falacioso que se destina apenas a poupar dinheiro.

 

A realidade é bem diferente: a pedra-de-toque de qualquer grande organização é a sua disponibilidade para aceitar uma avaliação séria, exigente e, sobretudo, independente.

 

Ao recusarem a avaliação, os professores – ou alguns deles – estão a prestar um péssimo serviço aos seus alunos: eles vão ser avaliados sempre, pela vida fora. Bem ou mal, essa avaliação determinará o sucesso ou insucesso que terão nas suas vidas. E quase sempre a avaliação será exercida de forma exigente e decisiva, pelo mercado, pela profissão, pelos destinatários da sua actividade. Os professores não podem argumentar que o que se aplicará aos seus alunos não é válido para eles próprios.


A essência de qualquer processo de avaliação é o seu carácter discriminatório. Os professores, como quaisquer outros profissionais, têm de aceitar que há muito bons, bons, medíocres e maus.


Daí que as quotas sejam absolutamente essenciais em qualquer processo sério de avaliação. Se, como, até aqui, a avaliação classifica todos bons ou muito bons, estamos perante uma enorme farsa, que justamente corresponde à negação do conceito de avaliação.

 
Por último, a participação dos pais no processo de avaliação dos professores é fundamental. Os pais são os principais interessados na boa educação dos seus filhos. Melhor do que ninguém, eles sabem o que é melhor para as crianças.

 
É aberrante que, reconhecendo a todos sem excepção a capacidade e competência para avaliar e escolher quem nos governa, não aceitemos aos pais a capacidade e competência de avaliar quem educa os seus filhos. Em todas as melhores universidades do mundo os professores são avaliados pelos alunos.


Não é, evidentemente, a única avaliação, nem talvez a mais importante; mas tem a vantagem de reflectir o ponto de vista daqueles a quem a acção educativa se destina. Nas escolas primárias e secundárias têm naturalmente de ser os pais a desempenhar esse papel.


Convém aliás recordar que os pais já hoje avaliam os professores em todas as escolas do ensino particular. E essa avaliação é a mais radical e definitiva: quando não estão satisfeitos, os pais retiram os filhos da escola e mudam para outra.

 

Se o princípio da participação dos pais na avaliação não se aplicar nas escolas do Estado, estamos apenas a retirar aos pais que optem por essas escolas um direito fundamental: o de terem uma palavra a dizer sobre a educação dos seus filhos.

 
As frentes de batalha que, provavelmente contra a vontade da ministra, se vêm abrindo na educação são das mais decisivas para o futuro do país.

 
O problema da educação não é o da falta de recursos – antes pelo contrário, é o do esbanjamento de recursos.

 

É indispensável repor uma grande seriedade na acção educativa, o que implica o empenhamento dos professores, os únicos que podem de facto fazer a diferença. A avaliação é uma peça fundamental da renovação que se exige na educação. E a participação dos interessados, a quem a educação se destina, é uma garantia de seriedade e de independência.

 
Maria de Lurdes Rodrigues trouxe ao Ministério da Educação uma extraordinária lufada de ar fresco. Pela primeira vez, desde há muitos anos, se estão a atacar os verdadeiros problemas de um sector fundamental da acção do Estado.

 
Se for bem sucedida, ficaremos com outra esperança quanto à viabilidade da reforma do Estado em Portugal.


Se ceder ou diluir as suas reformas face às posições retrógradas e corporativistas de quem se sente atingido no seu conforto e nos seus privilégios, então continuaremos com boas razões a duvidar do futuro do país.


 

Artigo de ANTÓNIO BORGES,

Ex-Dean do Insead, em Fontainebleau, França; Membro do Conselho de Governadores do Wellington College, em Inglaterra e membro do Concelho de Administração da Universidade Bocconi, em Itália.

In “Público”, 18.Jun.2006, e pode ser lido aqui.

 

Nota para os aliens desesperados que, confrontados com opiniões diferentes das suas, acusam os seus autores de “estarem comprados”: Querem ver que o P.S. conseguiu comprar o António Borges, “barão” do P.S.D.? Quanto terá custado?


 

sinto-me:
publicado por uma E.E. às 22:35
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2 comentários:
De pandora a 3 de Agosto de 2006 às 14:54
Minha Senhora,
sou professora, li um pouco na diagonal algumas das coisas que escreve (já agora "trás´" é uma preposição e não uma forma do verbo trazer), e sabe o que lhe digo?:
tudo isto seria, de facto, muito mais fácil se os pais estivessem ao lado dos professores e lutassem para a dignificação do ensino em Portugal. Considero algumas medidas bastante correctas, mas, como sempre, a questão é economizar e cortar onde não se deve. Os prejudicados serão sempre os alunos, minha senhora. Em nada e a ninguém beneficia esta campanha contra os professores. E já agora também lhe digo que o único objectivo da avaliação dos professores é evitar que progridam nas suas carreiras, bons e maus, e não a tão desejada verdadeira avaliação da qualidade do desempenho.
Se o Ministério ouvisse os seus professores, os que estão lá todos os dias, os que lutam diariamente contra ventos e marés, contra a falta de recursos, contra a indisciplina e a falta de vontade de tantos alunos, contra as injustiças criadas pelos "ignorantes" que desconhecem completamente o que se passa nas escolas, talvez outro galo cantasse e as coisas pudessem melhorar. Porque não acredito que haja professor algum que deseje o insucesso dos seus alunos.
De uma E.E. a 4 de Agosto de 2006 às 17:24
Cara Pandora,

Obrigada pelo seu contributo.
Não tenha duvida de que eu, como mãe e cidadã, estou ao lado de quem quiser lutar pela dignificação do ensino em Portugal. Sejam professores ou não. Não pode é confundir essa luta com a defesa de alguns interesses instalados da parte de alguns professores. Pois as duas coisas não são iguais.
Aliás, eu podia ficar muito bem quietinha sem me envolver na escola, pois confesso que até agora nunca tive (nem prevejo ter, sou uma optimista) qualquer problema com as aprendizagens dos meus filhos. E onde houver lacunas na escola, pessoalmente espero ter sempre os meios e a sabedoria para os ajudar com recurso a outros apoios.
Mas quero uma escola melhor para todos (para o País) e, não me vou demitir da minha obrigação como encarregada de educação de entervir.
Espero que não considere que há nas minhas palavras qualquer campanha contra os professores. Há posições divergentes.
"Trabalho" com os professores devido às associações de pais e tenho perfeita consciência que sou bem vinda e que a minha colaboração é estimada. Embora note que alguns têm um pouquinho de "receio" dessa colaboração...mas isso são histórias que contarei mais tarde.
E, definitivamente, quanto à avaliação: não estou mesmo NADA de acordo consigo, como já sabe.
Quanto à palavra "trás", é mesmo uma forma do verbo trazer, na terceira pessoa do singular no presente do indicativo. Por lapso tinha escrito mal, com s, mas já corrigi.
Cumprimentos,

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