Ainda estamos de férias, mas tinha de vir aqui contar umas "curiosidades". Ontem à noite jantámos com um casal de suecos e um casal de franceses. Sendo que a mulher francesa era professora e todos temos filhos, foi inevitável a conversa acerca da escola.
Nunca tive tanta dificuldade para fazer alguém entender o que eu dizia. E garanto-vos que o problema não estava nos idiomas falados!
Tentava eu explicar as polémicas resultantes da introdução do prolongamento do horário escolar no 1.º ciclo do ensino básico, assim como as polémicas sobre as aulas de substituição...
Foi tremendo.
Não sendo eu uma "especialista" desta área, nem uma profissional da educação (sim...que as duas coisas, decididamente, não se confundem!), pois sabem os caros leitores que nesta matéria sou apenas uma Encarregada de Educação, nunca me informei acerca de como se passavam as coisas noutros países...Se eu soubesse onde me estava a meter teria ficado calada. Acontece que passei o tempo a tentar fazer entender O PORQUÊ da reacção dos professores a estas medidas...e não devo correr muitos riscos de me enganar se disser que foi em vão, pois nenhum entendeu como estas mudanças não poderiam ser pacificas.
Já perceberam, portanto, que fiquei a saber que nos países deles estas duas realidades são indiscutíveis! O prolongamento, por exemplo, é até às 18 horas e há tanto tempo que existe que eles nem sabiam responder quando começou. A seguir às aulas, as crianças têm desporto, tecnologia, artes plásticas... Senti-me um bocadinho "mulher das cavernas" por no meu tempo a escola publica deixar-me sair do seu espaço quando eu muito bem entendia (coisa que, felizmente, já não se passa hoje), assim como por os nossos filhos, até esta ministra da educação, serem expulsos da escola a partir das 15 horas , como se os pais não trabalhassem, como se não tivessem de trabalhar...
E porque este post apenas trata de curiosidades, sabiam que em França os professores apenas ganham 12 salários por ano? Eu não. Ou seja: que não recebem 13.º mês, nem subsídio de férias? Sabiam que têm reuniões com os E.E. trimestralmente, das 17h 30m às 21h 30m (!), para que não colidam com o horário profissional dos pais? E que até ao 9.º ano (o equivalente ao nosso 9.º ano, melhor dizendo) o Director de Turma tem reuniões com os pais ao Sábado de manhã (!), pela mesma razão, com o objectivo de dar os boletins das notas no final do trimestre e falar individualmente acerca dos alunos? E voltando aos salários, fiquei a saber que um professor com 12 anos de serviço e 18 horas semanais aufere 2 mil euros... Ora, sabendo que só têm 12 salários por ano, foi a minha vez de me encher de orgulho nacional e afirmar que ganham mais cá... Ainda por cima, trabalham no feriado do Corpo de Deus e não é pago!!!
Chega de escrita e vou apanhar sol com os petizes. Boas férias!
Na sequência do comentário da leitora “cidadã consciente” publicado meu post “Educação e Cidadania andam de mãos dadas” decidi, conforme lhe digo na minha resposta, escrever sobre os bons profissionais, pelas razões que enunciei então, na resposta a esse comentário.
Por isso publico aqui, em homenagem aos professores fantásticos que tive, aos outros que no mesmo local refiro e a todos os que andam por aí e que espero que sejam muitos… uma crónica assinada pelo Prof. Doutor Daniel Sampaio, Professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, e que penso dispensar mais apresentações.
SOU UM PROFESSOR SÓ
Meu velho:
Desculpa estar sempre a mandar e-mails com as chatices da escola, mas és a única pessoa com quem posso desabafar sem problemas. Estou numa escola que conheces e, pelo que descreveste, pouca coisa mudou. A única diferença é que agora somos obrigados a estar mais horas e a confusão é grande. Imagina que se faz fila à porta do CE e que nos mandam dar aulas de substituição nas escolas do agrupamento, incluindo a do primeiro ciclo! Muitos colegas andam revoltados e os alunos não aceitam com facilidade um professor que não conhecem.
Eu vou fazendo pela vida. Não sou capaz de alinhar com os protestos, fiz greve apenas para não dar nas vistas; mas também sinto que as coisas precisam de ser melhoradas e por isso escrevo. No teu último mail recomendavas que me concentrasse na função actual do professor. Podes crer que fiz o TPC e aqui vai.
Sabes, António, sempre desejei ser professor. Quando era criança, inventava aulas a partir de um quadro preto que o meu Padrinho me tinha dado: explicava os meus próprios trabalhos a alunos imaginários, conversava com eles e até lhes ralhava. Fui para Estudos Portugueses porque sempre adorei ler e queria partilhar esse gosto com gente mais nova, depois fiz muitas acções de formação (com e sem créditos) para ver se ensinava melhor, estou na terceira escola e não quero desistir. Sabes o que não quero abandonar? O meu gosto em estar com crianças e jovens, nas diversas situações que ocorrem numa escola. Gosto de dar aulas, sobretudo quando consigo transformar a turma num grupo de trabalho e ponho toda a gente a participar. Adoro colaborar com a Associação de Estudantes e, bem ao contrário de ti, até tenho paciência para ouvir os pais, que recebo muitas vezes. Tenho muitas dificuldades, como sabes: os alunos têm poucas regras, sabem muito pouco e só falam em 'curtir', por isso às vezes me interrogo sobre o caminho a seguir. Com franqueza te confesso: sinto-me um professor só, às vezes quase um ET no meio da confusão, mas quero que me entendas. O meu lema é aproveitar TODAS as oportunidades para estar com os alunos, continuo com a ideia firme de que tenho coisas para lhes dizer e de que eles terão o maior gosto em estar comigo. Detesto quando os meus colegas (até tu) se põem a dizer mal de 5 mais novos, que não têm maneiras, que são ordinários ou desmotivados que parecem loucos. O nosso papel, a essência da nossa profissão não é justamente ajudá-los a crescer, escutá-los de forma activa, evitai que deixem a escola ou impedir que a frequentem sem sucesso? Posso dormir descansado quando cerca de 30% dos alunos da minha escola não completam o Secundário?!
Meu caro, não posso concordar com os colegas que dizem que estar com miúdos pequenos é ser 'ama-seca' ou 'entertainer'. Para mim, é uma ocasião que não posso perder: quero ouvi-los sobre as suas questões, auscultar os seus pontos de vista, ajudá-los a estudar, brincar com eles de forma organizada. No dia em que me convencer que os alunos do meu agrupamento, de todas as idades, se recusam a estar comigo, abandonarei a escola, porque de facto o meu ofício deixou de fazer sentido.
Estou de acordo que muito há a fazer para melhorar a confusão actual. As coisas precisam de ser mais bem explicadas e sobretudo melhor aplicadas. Mas recuso-me a cruzar os braços e a confessar que não sou capaz de falar com uma sala cheia de jovens desconhecidos. Mesmo que eles não me queiram à partida, não concordo: educar é também dizer não e acredito que tenho muita coisa para lhes dar. Responde depressa.
Um abraço, Hugo.
Esta Crónica foi publicada na Revista XIS, Jornal Público, a 03-DEZ-2005, e pode ser lida aqui.
Sim, também vou falar de dinheiro.
E não puxem já dos cabelos naquela atitude à beira do histerismo tão vista nos últimos tempos da parte de alguns agentes educativos... dêem lá o beneficio da dúvida.
Neste ano lectivo que agora terminou, assisti a uma pequena revolução na escola do meu educando. Noutros posts falarei do papel dos professores nessa "revolução" e nos efeitos que essa nova vivência proporcionou aos alunos. Por agora vou "apenas" referir como a minha e outras carteiras foram afectadas por este Ministério e, da consequente melhoria na qualidade de vida - que se reflectiu na melhoria das condições de aprendizagem dos alunos.
PROLONGAMENTO DO HORÁRIO ESCOLAR
COMO ERA A SITUAÇÃO ANTERIOR
Até então, porque a escola fechava às 15h, alguns alunos, privilegiados , iam passar o resto do dia para casa. Ou porque um progenitor / outro parente não trabalhava fora de casa, ou porque havia uma empregada a ir buscar o aluno à escola, ou porque... eram filhos de professores. Seria dos horários dos pais?
Esses eram os privilegiados, mas convém lembrar que também existia um pequeno número de alunos que iam para casa onde ficavam sozinhos largas horas, pois os pais estavam a trabalhar e não tinham condições económicas para sustentar as respostas privadas (e únicas até agora aqui na zona) para a ocupação daqueles tempos livres.
No meu caso, igual ao da maioria dos E.E ., o meu educando seguia para um A.T.L .
Muito bem: nesse espaço eram disponibilizadas aulas de Música, Inglês e Educação Física uma vez por semana, em dias alternados. Ainda sobrava tempo para muita brincadeira, artes plásticas e várias visitas de estudo e passeios.
Pessoalmente nunca me preocupei. A razão da minha criança ter de ir para um A.T.L . depois da escola terminar às 15h, não se prendia apenas e só com os horários profissionais, mas também com o meu conceito de "educação". Por exemplo, era fundamental para mim colmatar a ausência de Desporto Escolar, e as razões porque acho importantes as crianças terem noções de Música e de Inglês nestas tenras idades são tão evidentes que carecem de explicação...
Nunca tive a sensação de "depositar" a minha criança num espaço que apenas "cuidasse dele", mas sim a sensação excelente de o ver todos os dias a receber uma educação mais completa, sempre a despertar para novas realidades e experiências só possíveis de serem transmitidas por profissionais.
O carinho desta E.E . e dos outros parentes chegavam, como chegam hoje, ao fim da tarde, onde o acompanhamos ainda a outras actividades (faz dois desportos desde os 4 anos), depois fazemos os TPC e todas as outras rotinas até ao deitar.
Parece tudo bom, não é? E quanto custava ao orçamento familiar essa "educação mais global", não limitada aos currículos académicos " ? Ora, era coisa para uns 150 mensais. Se tivermos em conta que com o transporte da escola para o ATL a criança só chegava lá depois das 15h 30m (como eram muitos a carrinha fazia várias viagens), estamos a falar de umas 2 horas, duas horas e meia, passadas com o A.T.L. Um bocadinho caro, não acham? Talvez agora se perceba porque alguns pais eram obrigados a deixar as suas crianças largas horas sozinhas em casa... talvez agora se perceba porque há uns tempos atrás uma E.E ., que tem 3 filhos, me dizia: - sem ter horário de professor isto tornasse muito difícil!
COMO É A SITUAÇÃO ACTUAL
Actualmente estamos em férias escolares, mas durante todo o passado ano lectivo a situação mudou, e mudou para muito, muito melhor!
A escola passou a estar aberta até às 17h 30m para as actividades extracurriculares . Ver Despacho
A escola tem todas as condições físicas, de espaço, para ser aproveitada.
Há muitos professores sem horário completo e nas outras condições que o Ministério indica como aptos para serem afectos a este tipo de resposta.
Os "recursos humanos" é que na sua maioria, não gostaram nada da ideia! Infelizmente passaram-se episódios trágico-hilariantes que relatarei assim que puder. (Isto merece muita reflexão).
E, como prometi que neste post iria falar de dinheiro...já imaginam, não é? Todas as crianças do 3.º e 4.º anos (todas, se os pais assim decidirem, pois trata-se de uma actividade extracurricular , de frequência não obrigatória) passaram a ter aulas de Inglês, três vezes por semana, GRATUITAMENTE. Ver Despacho
Engraçado, ia falar de dinheiro e acabei por falar em IGUALDADE...o Estado, finalmente, ao cumprir o seu papel (aplicar o dinheiro dos nossos impostos ao serviço do cidadão), tornou acessível A TODAS as crianças aquilo que até este ano lectivo estava acessível APENAS A ALGUMAS...
Igualmente DE FORMA GRATUITA, a escola passou a fornecer tempos para a Música, a Educação Física, as Artes Plásticas. As crianças passaram a ter acompanhamento na feitura dos TPC . (E, sobre os TPC falarei mais tarde).
Finalmente, vi a escola pública a tentar cumprir o ideal de escola.
Finalmente, senti que dentro do espaço da escola também há espaço e tempo para brincar, jogar, aprender coisas diferentes que não o mero currículo . Afinal, se a Escola Pública é opção para alguns (cada vez menos "alguns") é a ÚNICA SOLUÇÃO para muitos (cada vez mais).
Finalmente senti que os nossos impostos andam a servir para alguma coisa...